O Fado do Estado Estroina<br>e outras cantigas

Correia da Fonseca

Desta vez, o «Prós e Contras» trazia um título capaz de induzir em erro os menos avisados: «Vozes Portuguesas». A proximidade no tempo das sucessivas jornadas do Eurofestival, a particular atenção suscitada desta vez pela participação portuguesa no certame, poderiam sugerir a alguns telespectadores que o programa sempre confiado a Fátima Campos Ferreira cedera à tentação de se musicar e de alinhar, pelo menos como experiência, com outros programas muito na moda que se aplicam a descobrir talentos canoros e a encaminhá-los na senda da fama e da fortuna. Foi-se a ver e não era bem assim, mas em rigor não poderá dizer-se que entre este «Prós e Contras» e o universo das músicas ligeiras não houve qualquer parentesco. Assim, os primeiros minutos do programa foram preenchidos com algumas variações sobre um tema de escândalo sexual não apenas muito à medida da imprensa dita cor-de-rosa mas também, ao que pelo menos me ocorreu, evocadoras do modo como há largas décadas, é certo, escandaleiras e desgraças eram cantadas pelas esquinas por cantadores geralmente cegos acompanhados a acordeão e com versalhada impressa para ser vendida à velocidade de cinco tostões por panfleto. Passada essa fase inicial, porém, o «Prós e Contras» enveredou por cantos mais graves, digamos assim, confiados quer a solistas em palco quer a outros instalados na plateia, como aliás é costume no programa. Não poderá dizer-se, em verdade, que as modas entoadas se caracterizaram pela muita variedade quanto ao essencial e com isso nos surpreenderam. E, dizendo-o, assim se chega ao fundamental: o tema dominante, ainda que trabalhado com variações e sem prejuízo de temas secundários, foi o do Mau Gigante chamado Estado e da sua funesta teima em gastar a torto e a direito, desse modo atirando o País para as generosas mãos que condescendem em ajudar-nos. Que o fazem mediante uma substancial remuneração, já se vê, não tanto porque a vida também está difícil para a finança internacional mas sobretudo porque a grande vocação dessa espécie de Boa Fada é precisamente a de se remunerar fartamente.

 

Outras vozes, outros cantos

 

Temos, pois, que várias vozes se levantaram quer no palco quer fora dele, e não será de mais registar que o tema por quase todas elas desenvolvido, ainda que em diversos tons, foi o das maldades praticadas pelo Estado que, a avaliar pelo que ali se ouviu, anda a gastar o que tem e o que não tem, e sobretudo que anda a gastá-lo mal. Note-se que quanto a este último aspecto nem sempre os cantos foram inteiramente explícitos, mas acrescente-se que não precisavam de o ser porque desde há muito que andam no ar, e quem diz «no ar» bem poderia dizer que nos média, os complementos necessários ao bom entendimento do que importa dar a entender: que o Estado malbarata os seus recursos a pagar subsídios de desemprego, pensões de reforma, custos com cuidados médicos e medicamentosos, estruturas de ensino, coisas assim, a qualquer cidadão sem qualificações especiais, e é claro que deste modo o dinheiro não chega. De onde a dívida externa, a bancarrota a bater-nos à porta. Por acaso, decerto, não foi lembrado que a dívida externa do Estado é cerca de metade da dívida externa privada, isto é, da banca e de grandes empresas, embora se deva acrescentar que parte do valor da dívida bancária foi aplicada no crédito à habitação, pois muitos milhares de portugueses optaram pelo luxo de dormirem debaixo de um tecto e não de uma oliveira ou de um sobreiro, sítios onde se passa muito bem a noite com o clima ameno que o Céu nos deu. Entretanto, é preciso registar, antes que esqueça, que nem todas as vozes ali alevantadas optaram pela mesmo género musical, isto é, o do costume, e que de Coimbra veio um canto diverso na letra e na música, como que a lembrar-nos com razão ou sem ela que o Fado de Coimbra tende a ser diferente. Mas também da plateia se ouviram cantos outros e melhores, vindos sobretudo de gargantas jovens mas não apenas delas. Dir-se-ia que o velho Fado do Estado Estroina está ficar gasto, que cada vez há mais quem entenda a necessidade e a existência de outras e melhores músicas. Das que nos são adequadas porque compatíveis com o gosto da imensa maioria e não apenas com o ouvido, ou talvez antes com o estômago, de alguns.



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